Nem sempre perder significa não conquistar alguma coisa. As vezes perder significa não corresponder as expectativas criadas por outras pessoas, e pessoas essas que nem sabem ao certo sobre seus treinos, sua preparação e sua estratégia. Significa se entregar ao máximo, dar tudo de si, e ainda assim, para quem vê de fora, não ser bom o bastante. Perder também é sinônimo de aprendizado, de não se dar por vencido e de tentar mais uma vez, e duas, três.. quantas for necessário. Na “História que ninguém conta” de hoje, ouviremos o relato do atleta de tiro esportivo Felipe Wu.
Impossível falar de tiro esportivo no Brasil e não mencionar Felipe Wu. O atleta, natural da capital paulista, fez a nossa bandeira subir novamente ao pódio olímpico da modalidade após 96 anos de hiato, com a medalha de prata na pistola de ar 10m nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Além do feito, ele também coleciona outros grandes resultados na carreira: prata nos Jogos Olímpicos da Juventude Cingapura 2010, ouro nos Jogos Sul-americanos Medellín 2010 e Santiago 2014 e ouro nos Jogos Pan-americanos Toronto 2015.
E isso tudo faz de Felipe uma referência, o centro das atenções da modalidade no Brasil. Só que nem tudo são flores. “Quando está tudo dando certo ninguém fala nada, mas quando está tudo dando errado todo mundo acha que você está fazendo errado, quando na verdade você está fazendo da mesma forma”, afirma o atleta. Esse relato foi quase o desfecho da história da conquista da vaga olímpica de Wu para Tóquio 2020.
– Em 2019 aconteceu o ultimo evento que dava vaga direta pra Tóquio 2020, que foi uma Copa do Mundo no Rio de Janeiro – e talvez a competição mais difícil do ciclo olímpico para isso. Então era a última chance e todo mundo ainda apostava que eu fosse ganhar nesse evento. Mas eu já não estava muito confiante, sabia que ia ser muito difícil. E de fato eu não conquistei a vaga nessa Copa. E a partir daí todo mundo já escreveu que eu não ia classificar para as Olimpíadas, que eu não tinha mais chance, porque a última chance depois disso era pelo ranking mundial, e eu estava em 79º e precisava ficar entre os 10. E aí vários veículos de comunicação escreveram que eu já estava fora e tal – relembra Felipe.
Para alcançar tal posição no ranking, Felipe tinha uma única chance: precisava ir muito bem em uma outra Copa do Mundo, ganhar medalha praticamente. A competição foi adiada de março de 2020 para março de 2021 devido a pandemia de Covid-19, e ele ganhou um ano de preparação, foco e treino. “E muita critica também né, não só da mídia, mas também de entidades esportivas, de que eu não tinha mais chance, que eu não tinha performado bem, mesmo depois da medalha no Rio 2016”, conta. Apesar de tudo isso, o atleta tinha certeza que estava fazendo tudo o que podia em relação aos treinos e sua preparação em geral: “E como teve esse ano de pandemia e eu só treinei, com um ou dois campeonatos pequenos, foi a minha chance de voltar a performar bem”.
Wu começou 2021 em alto nível, já atirando muito bem nos primeiros campeonatos, e terminou a tal Copa do Mundo – única chance para subir no ranking – em 4º lugar; 6º no ranking mundial e classificado para Tóquio 2020. “Era minha última chance, e eu me agarrei a essa oportunidade, ainda mais quando foi adiado. Eu acreditei no que eu estava fazendo e aproveitei a oportunidade, já que são poucas que a gente tem”, complementa Felipe.
– Mesmo com todo mundo falando como se eu estivesse fazendo tudo errado né, porque até então eu não tinha conquistado a vaga. E como eu só treinei, eu tive a oportunidade de me concentrar mais. Na verdade, eu não mudei nada do que eu estava fazendo, eu só parei para treinar, sem ninguém me enchendo o saco. E aí eu consegui provar pra mim mesmo que eu estava fazendo da forma correta – destaca Wu.
No final das contas, o episódio vivido por Wu não foi uma derrota, foi mais sobre aprender a trabalhar sob pressão e não sucumbir às manchetes, opiniões e expectativas alheias. Ninguém sabe mais sobre seus treinos e sua preparação do que você mesmo e seu técnico. “Eu acho que no final da competição o importante é eu sair satisfeito com o que eu fiz e com a forma que eu me preparei. Eu prefiro colocar um pouco mais de responsabilidade na parte da preparação, e a competição em si é uma consequência do que eu já fiz”, reflete Felipe.
Para finalizar, o atleta relembra de um sábio ensinamento uma vez passado por um técnico: “No dia que estiver tudo bem é o dia em que você vai quebrar o seu recorde pessoal, mas a maioria dos dias não vai estar tudo bem e você vai ter que se esforçar muito”. E é com esse pensamento que ele vai às competições. “Eu já entro preparado pra isso, ‘se estiver tudo dando certo, beleza, mas se não estiver, beleza também’. E eu acho que essa que é a questão do alto rendimento, independente da situação você conseguir manter um nível técnico”, finaliza Wu.